Eu sou o Tatu, tenho cerca de 5 anos, sou de porte pequeno e rasteirinho, e
toda a minha vida nunca conheci mais do que as grades dum canil municipal.
Fui abandonado, ainda muito novinho, no antigo canil, e há cerca de 4 anos
após a mudança de instalações vim para aqui, para o Canil Municipal de
Torres Vedras. Não conheço mais nada que não esta vida, e durante muitos
anos sempre passei despercebido aqui dentro, no meio de tantas outras
centenas de cães. Se ainda hoje estou aqui, talvez seja por mero acaso,
porque sou sossegadinho e pacato na minha vidinha, não me meto com ninguém,
vou sobrevivendo. Até quando?
Um dia, numa bela tarde primaveril, fui surpreendido por umas meninas que
olhavam muito para mim. Enquanto os meus colegas cães, saltavam e pulavam
pedindo festas, eu fui devagarinho, aproximei-me, e mostrei-me, e foi assim
que me tiraram esta fotografia. Disseram-me elas que iam pô-la na Internet,
não sei o que é, mas deve ser coisa boa, porque elas disseram-me isso e
muitas outras coisas, inclusive para ter esperança. O seu olhar era meigo e
eu confiei nelas.
Passados uns meses, uma das senhoras voluntárias entra na box onde estou, e
vem directamente a mim. Pegou em mim e levou-me para fora da box.
À minha frente estava uma senhora muito chorosa, que olhava para mim e
dizia "é esse, é esse", "é o Tatu".
Era eu? Que me ia acontecer?
A senhora voluntária do canil olhava para mim e para ela e ia dizendo: "Tem
a certeza? Olhe que ele já não é muito novo, deve ter uns cinco anos"
"mas olhe que ele tem uma otite, tem de fazer tratamento às orelhitas"
"e está também com um olhinho colado, precisa de tratar os olhinhos."
A tudo isto a outra senhora respondia que não haveria problema, que o iria
tratar, e que sim, que era mesmo a mim que me queria adoptar.
"ADOPTAR? LEVAR-ME POR FIM PARA UMA CASINHA, AO FIM DESTES 5 ANOS? EU VOU
SAIR DAQUI?"
Fiquei louco de alegria. Não acreditava.
E lá fui. Não antes sem a voluntária me limpar bem os olhinhos e as
orelhitas, fazer à minha futura dona todas as recomendações para continuar
os tratamentos, ir ao veterinário era muito muito importante.
No carro portei-me muito bem, como se sempre nele tivesse andado. Fui a ver
as vistas até chegar à minha casa.
Chegámos. Pensei eu, à minha NOVA VIDA!.
Como cheirava muito muito mal, fui logo para a banhoca. E como o cheiro
continuava, tomei mais banhocas.
Depois disso fui conhecer os outros elementos da família, que gostaram de
mim.
No dia seguinte, fui ao Veterinário.
Para além das minhas otites, dos meus olhitos inflamados, e do meu mau
cheiro (que persistia) , eu também me coçava muito.
O veterinário olhou para mim de alto a baixo, mas eu não estava nada
preocupado, sempre tinha ouvido dizer que estes senhores tratavam muito bem
de nós, os cães, e faziam o melhor que podiam para nos tratar e deixar
novinhos em folha, sem maleitas nem dores. A minha dona já tinha tido um
cão e este morrera uns tempos antes, com uma doença qualquer nos
>ntestinos, se não me engano era isso.
Mas o veterinário voltou a olhar para mim e para a minha dona e disse "
ENTÃO A SENHORA FOI BUSCAR ESTE ANIMAL A UM CANIL, QUE VEM DOENTE, QUE TEM
UM PROBLEMA NOS OLHINHOS E A LONGO PRAZO FICAR CEGO, QUE TEM UM PROBLEMA DE
PELE QUE PODE SER CONTAGIOSO, QUE PODE TER A MESMA DOENÇA QUE O SEU CÃO
TEVE? O MELHOR QUE TEM A FAZER É LEVAR ESTE ANIMAL NOVAMENTE PARA O CANIL
PARA SER ABATIDO"
Mas notem, ele disse tudo isto sem me ter feito quaisquer exames ou testes
à minha saúde.
Voltei para casa apenas com o remédio para os olhos e para as otites.
Nessa noite, passei a noite toda a coçar-me. A minha dona diz que eu não
parei quieto toda a noite, a rebolar-me no chão com comichões. Disse ela.
Ah pois é.. Se calhar já estava a dar muitos trabalhos..
No dia seguinte, a minha dona foi novamente deixar-me no CANIL MUNICIPAL.
Entre choros e muitas lágrimas de crocodilo, foi assim que ela mostrou o
quanto gostava de mim.
Hoje aqui estou eu novamente. Por momentos senti que era livre, que
finalmente tinha encontrado o meu LAR.
Tomara que nunca tivesse saído do canil. Fiquei a saber o que eram
carinhos, o que era uma caminha, um sofá, o que era estar fora daquelas
grades frias, onde sempre me conheci. Fiquei a saber o que era o mundo lá
fora, o que era o verde e o céu azul, o que era a Liberdade.
Tudo durou apenas um fim de semana.
Se a minha amargura já era tanta, se o meu sofrimento já era o que baste,
porquê? Porque me quiseram afundar ainda mais?
TATU
Nota:
O relato da pós adopção, foi-me feito pela ex-dona do TATU entre muitas
lágrimas e afins.
A ser verdade, as palavras do veterinário mostram, não apenas a mais cruel
das negligências, como uma desmerecida vocação profissional, que me deixou
chocada.
Tão negligente terá sido este veterinário, como a própria dona que acatou
estas decisões como dadas por certas e voltou a ABANDONAR o Tatu no canil
municipal.
AnaC
02.08.06
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